quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

OBJETIVO DAS PRISÕES, RESSOCIALIZAÇÃO OU PUNIÇÃO?


RAFAEL DAMACENO DE ASSIS
Acadêmico de Direito, ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Paraná e Vara de Execuções Penais da Comarca de Londrina.
MARCIO ZUBA DE OLIVA
Advogado. Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Efeitos Negativos Causados Pela Prisão Sobre A Pessoa Do Encarcerado 3. A Sociedade Paralela Existente Dentro Das Prisões 4. O Poder Paralelo Exercido Por Facções Criminosas No Interior Das Prisões 5. Bibliografia


1. INTRODUÇÃO

A prisão tem como fundamentação filosófica à confinação como sendo a aprendizagem do isolamento. Segregado da família, dos amigos e de outras relações socialmente significativas, espera-se que o preso, cotidianamente, venha a refletir sobre seu ato criminoso, sendo este o reflexo mais direto de sua punição.
Assim, a sociedade impõe ao preso o isolamento como uma punição de natureza moral, como uma reafirmação do direito por ele negado, ou seja, pela prática de um crime.
No entanto, a filosofia estatal quando da aplicação da pena, vai além da mera imposição de um castigo. A prisão teoricamente deveria servir como uma empresa transformadora, na qual o preso será exposto à técnicas de disciplinamento e de reconstrução moral.
A prisão se constituiria então numa instituição na qual o Estado, através dos recursos financeiros obtidos junto aos cidadãos (contribuintes), proporcionaria aos indivíduos que praticaram delitos o seu isolamento, de forma a ressocializá-los e credenciá-los ao retorno ao convívio social. Esse seria o objetivo legítimo de uma instituição prisional e da aplicação da pena privativa de liberdade.
Já numa análise superficial percebemos o total desvirtuamento da filosofia prisional para com a atual realidade de nosso sistema carcerário. Em exame aos tópicos anteriormente tratados, pode-se concluir que em nosso atual sistema prisional, a pena tem cumprido apenas o seu caráter retributivo, apenas impondo um castigo ao condenado, sem lhe proporcionar sua recuperação e sua conseqüente reinserção social.
Da ineficácia ressocializadora das prisões e das mazelas existentes em nosso sistema penitenciário e o do que trataremos nos tópicos seguintes.

2. EFEITOS NEGATIVOS CAUSADOS PELA PRISÃO SOBRE A PESSOA DO ENCARCERADO

É unânime a opinião de que o ambiente carcerário, meio artificial e antinatural, não permite realizar nenhum trabalho ressocializador sobre a pessoa do condenado. De forma oposta à reabilitação, a reclusão oferece os mais variados tipos de efeitos negativos que podem ser causados a um ser humano, como a fome, os castigos físicos, a promiscuidade sexual, o vício, a expurgação das relações familiares, e muitas vezes até mesmo a própria morte.
No entanto, além dos fatores acima mencionados, um dos quais pode ser tido como de maior empecilho no papel ressocializador da pena privativa de liberdade é fato de o prisioneiro ser inserido num novo contexto social, que é a sociedade paralela existente dentro dos estabelecimentos prisionais, o que acaba arraigando em sua personalidade a subcultura carcerária, que vem acarretar danos psicológicos e sociais irreparáveis a sua pessoa.

Como primeira conseqüência negativa do ambiente penitenciário tem-se a debilidade de saúde que o ambiente insalubre das prisões provoca nos reclusos. As deficiências das celas e da alimentação facilitam a proliferação de várias doenças, dentre elas, a tuberculose, enfermidade corriqueira nas prisões.
Além desta, por não terem tratamento médico preventivo e curativo adequado, os detentos são acometidos dos mais variados tipos de enfermidade, o que acaba transformando as prisões num grave problema não apenas de segurança, mas também de saúde pública, como será tratado pormenorizadamente em item próprio a posteriori neste trabalho.
O ostracismo e o ócio do recluso, aliados a uma alimentação deficiente e ainda à falta de atividades físicas, acabam fragilizando sua saúde, tornando-o mais vulnerável e suscetível de adoecer. Sua capacidade laborativa também acaba sendo reduzida, tornando-se mais um fator impeditivo de sua reinserção no mercado de trabalho, quando do seu retorno ao convívio social.
São ainda inúmeros os prejuízos sociais causados ao recluso. O primeiro deles é o fato de que a segregação do meio social do qual ele integrara ocasiona uma desadaptação tão profunda que torna praticamente impossível uma posterior reinserção social do delinqüente a este mesmo meio. Ao contrário disso, o isolamento da prisão e a aculturação junto aos demais detentos já integrados ao convívio carcerário acabam transformando a prisão num fator de influência criminógena, que ao invés de ressocializar o apenado acaba o levando à reincidência, e, conseqüentemente de volta à prisão.
Apesar de não haver índices nem estatísticas concretas, está diretamente verificada a presunção de que a pena privativa de liberdade não possui um caráter efetivamente reabilitador, quando podemos constatar de fato o alto número de reincidência dos ex-detentos.
A grande maioria daqueles que cumprem pena e que, através de uma possibilidade legal, adquirem o direito de voltar ao convívio social, acabam não permanecendo nele por muito tempo, pois sem terem muitas alternativas, pelo fato de não encontrarem trabalho que garanta o seu sustento e o de sua família, e pela discriminação de não serem aceitos pelos demais membros da sociedade, eles acabam retornando ao mundo do crime.
Torna-se mais difícil ainda a situação de reintegração social do egresso, principalmente no tocante à sua recolocação profissional, pois vivemos hoje a realidade de um mundo globalizado e em crescente processo de automatização da força de trabalho, o qual não consegue absorver nem mesmo o grande contingente de trabalhadores desempregados, e que ainda na maioria das vezes ainda contam com experiência profissional. O que se dirá então de uma pessoa que traz consigo o estigma de ex-presidiário, e que na maioria das vezes não tem qualquer qualificação profissional?
São incontáveis também os danos psicológicos causados à pessoa do recluso. Os traumas, humilhações e depressões sofridas na prisão dificilmente são por ele superados na sua vida pós-cárcere.
O primeiro efeito da prisão é a mortificação do ego e a prisionalização do indivíduo. A prisionalização é forma pela qual é imposta coercitivamente ao preso a (sub)cultura carcerária. Na verdade, pode-se dizer que se trata de um processo de aprendizagem constituído numa “dessocialização” do ser humano.
Neste processo, o recluso adapta-se às formas de vida e os costumes impostos pelos próprios internos do estabelecimento penal, pois não tem outra alternativa. Esse conjunto de regras na verdade é um sistema normativo autônomo que coexiste paralelamente ao sistema oficial de valores.
Muitas vezes tem-se a falsa idéia de que um preso de bom comportamento seja um homem regenerado e pronto a retornar ao convívio social. No entanto, trata-se apenas de um homem “prisionalizado”, que foi disciplinado a conviver com as regras impostas pela subcultura do ambiente da prisão, como meio de se manter vivo e a não sofrer os castigos disciplinares relativos ao descumprimento deste código de conduta e, por fim, para poder ser aceito no grupo.
O homem que até então nunca convivera numa prisão, acaba se amoldando a ela e ao perfil dos encarcerados contumazes, que lá já habitavam, tornando-se assim fruto do meio onde vive, devido à influência causada pelos fatores da prisionalização. Quanto maior for o tempo de reclusão tão maior será o grau de prisionalização do réu, o que tornará ainda mais obstaculosa a sua reabilitação.
A depressão e os mais variados tipos de psicoses também são conseqüências comumente verificadas naqueles que permaneceram encarcerados por longos períodos. Quando a prisão não acaba deixando o homem cheio de distúrbios psicológicos, o que em determinadas vezes acaba até mesmo o tornando um psicopata ao adquirir a liberdade, ela por vezes acaba o levando à morte dentro dela própria, haja vista a elevada taxa de suicídios verificada dentre aqueles condenados à penas de longa duração.
A ausência de relações humanas, de ocupações como o próprio trabalho e o tratamento frio e muitas vezes desumano dos funcionários penitenciários acabam tornando o preso um indivíduo cheio de rancor, agressividade e extremamente depressivo.
Outro grave efeito psicológico causado pelo aprisionamento são os danos causados pelos problemas sexuais que ocorrem no interior das prisões. Ignora-se o fato de que as atividades sexuais de um homem não terminam a partir do momento que este é recolhido à prisão. A atividade sexual é um instinto biológico inegável e irreprimível, inerente à própria natureza humana.
A repressão do instinto sexual propicia a perversão da esfera sexual e da personalidade do indivíduo. Dessa forma, é quase que impossível se falar em ressocialização num ambiente que impede e reprime um dos instintos mais naturais e fundamentais do homem.
Além dos problemas sexuais dos quais o preso é acometido dentro da própria prisão, ao ser libertado, ele leva consigo vários fatores que impedem o retorno a uma vida sexual normal, sejam esses problemas de natureza psicológica, como complexo de culpa pelas relações homossexuais que mantinha na prisão, falta de apetite sexual, dificuldades para retornar à vida matrimonial sexual; ou de natureza biológica, como impotência sexual, ejaculação precoce, doenças venéreas, etc.
Com relação ao homossexualismo, esta é uma prática sexual comum dentro dos estabelecimentos prisionais. As violências sexuais praticadas contra alguns detentos e a supressão das relações heterossexuais são geralmente as condições que acabam influindo decisivamente para a proliferação da homossexualidade no interior das prisões.
Como forma de atenuar a tensão e a agressividade provocada nos internos devido à abstinência sexual foi implantada no sistema carcerário a visita íntima, que não obstante ter vários argumentos em seu favor, ela veio apenas atuar como um paliativo em relação aos problemas da sexualidade dos presos.
O primeiro argumento em desfavor da visita íntima se prende ao fato de ela ter de certa forma um caráter discriminatório, pois só podem usufruir desse benefício àqueles que tem esposas ou companheiras, não podendo efetivamente dele gozar os presos que são solteiros.
Porém, o que tem ocorrido na realidade, tem sido o fato de a visita íntima se tornar muitas vezes uma forma de prostituição e da prática de abusos sexuais.
Em virtude do poder paralelo exercido pelos detentos que possuem o domínio da massa carcerária dentro dos presídios, e da relação de subordinação e dependência dessa massa para com aqueles que possuem esse domínio, muitas vezes os presos que têm esposas ou companheiras, e que, por um motivo ou outro tenham uma certa “dívida” com o aquele que detém o poder paralelo dentro do presídio, acaba tendo de permitir que sua referida esposa ou amásia venha a manter relações sexuais com aquele ou com outros presos, como única forma de manter-se vivo e não vir a sofrer qualquer tipo de sanção ou castigo impostos por outros presos, a quem este deva obediência e subordinação.
Seria uma alternativa ao atual sistema permitir que o preso pudesse ter na verdade uma visita familiar, em local adequado, e durante um determinado período. No entanto, difícil seria de se concretizar essa sugestão em nosso sistema penitenciário, o qual ainda não é capaz de propiciar nem mesmo as garantias mínimas previstas ao recluso.

3. A SOCIEDADE PARALELA EXISTENTE DENTRO DAS PRISÕES

A vida no ambiente de uma prisão na verdade, é a vida dentro de uma sociedade marginalizada, que é constituída de forma paralela à sociedade comum. Por ter natureza praticamente de uma sociedade autônoma, a sociedade formada pelos presos tem um regramento que lhe é peculiar, o qual basicamente tem como princípio fundamental a sobreposição em relação aos demais daquele que é tido como o mais forte ou o mais poderoso. Pode-se dizer que essas regras baseiam-se num direito natural, semelhante àquele vigente nas sociedades mais primitivas.
Pode-se afirmar que a existência deste meio social paralelo é determinada pela existência de dois fatores, um constituindo-se como sua causa e outro como sua conseqüência. A causa estaria relacionada à necessidade da existência de um conjunto de regras que pudessem tornar suportável a sobrevivência e a convivência dos presos em comunidade. Esse código de conduta seria a materialização da sua auto-regulamentação, visando buscar a sua autopreservação e o seu convívio pacífico.
Já como conseqüência direta relacionada à gênese desse novo grupo social, seria o efeito da sedimentação na personalidade do preso da já anteriormente citada “subcultura carcerária”, decorrente do encarceramento prolongado do indivíduo e da segregação do meio social do qual ele fazia parte.
Dentro desse ordenamento dos presos emanam regras de um direito penal próprio, o qual tem princípios que lhe são característicos, mas que, no entanto, muitas vezes não possuem qualquer racionalidade ou proporcionalidade. Essas regras imperam dentro das prisões e não são alcançadas pelo poder constituído de nossas autoridades públicas. Dentre elas, determinados comportamentos como a delação de um companheiro, não saldar uma dívida contraída ou a condenação pela prática de um crime de natureza sexual equivalem a uma correspondente sentença de morte dentro da cadeia.
Como exemplo prático do poder exercido dentro deste submundo carcerário, podemos citar a matéria apresentada pela Revista Veja[1], a qual trata da figura dos encarregados gerais pela faxina nos pavilhões da Casa de Detenção, o maior presídio de São Paulo. Esses presos são de alta confiança da administração penitenciária e se constituem numa espécie de autoridade moral da cadeia, uma espécie de casta dirigente entre os demais presos. Eles também se constituem num elo entre a administração do presídio e os internos, tendo um grande poder de articulação entre ambos os lados, e se tornando uma peça fundamental no equilíbrio interno de um presídio.
O poder exercido por esse representante, eleito pelas duas partes (presos e administração), é tamanho a ponto de ele ter poder de veto sobre determinadas atitudes a serem praticadas pelos presos, como um acerto de contas, o assassinato de um outro preso, ou até mesmo de um eventual plano de fuga ou rebelião. A figura desse preso “especial” dentro do presídio é sempre ocupada por um detento que detém uma habilidade política muito grande, o qual além de manter boas relações com a direção do presídio deve demonstrar que não está mancomunado aos demais presos. Também não pode causar a esses a impressão de que passou para o lado contrário, o que acarretará a sua completa desmoralização perante seus companheiros, o que poderá posteriormente acabar lhe custando sua própria vida.

4. O PODER PARALELO EXERCIDO POR FACÇÕES CRIMINOSAS NO INTERIOR DAS PRISÕES

Se por um lado os presos vivem dentro de uma sociedade própria, regida por regras marginais por eles constituídas, muitos deles continuam a interagir no meio social externo, por meio de um poder paralelo que, embora na maioria das vezes as autoridades neguem sua existência, ele tem se demonstrado coeso, crescente, e difícil de ser combatido.
Nem mesmo o encarceramento e o isolamento de indivíduos nocivos à sociedade tem sido o suficiente no combate ao crime organizado. Constantemente nos tem sido trazido à tona pelos meios de comunicação o fato de que essas organizações continuam exercendo suas atividades criminosas mesmo de dentro da prisão. O exercício deste poder paralelo é decorrente de uma série de falhas e de negligências das autoridades responsáveis, ou seja, do poder legalmente constituído.
A falta de organização e de efetividade de nosso sistema penitenciário deu margem para o surgimento de várias facções criminosas que atuam de forma organizada e específica dentro deste próprio sistema. Essas organizações possuem um grande poder de mobilização assim como também uma grande adesão entre os detentos. A constituição desse verdadeiro sistema paralelo não é recente, sendo que sua expansão foi negligenciada pelas autoridades, até o movimento tomar proporções incontroláveis, e ocorrerem fatos como o do dia 18 de Fevereiro de 2001, quando a facção criminosa autodenominada PCC – “Primeiro Comando da Capital” – deflagrou a maior rebelião da história do sistema penitenciário brasileiro.
Como foi veiculado pela imprensa, numa ação orquestrada sob o comando de marginais líderes desse grupo criminoso, foi promovida uma rebelião simultânea em 24 presídios situados em 19 cidades do Estado de São Paulo, deixando aproximadamente 7.000 reféns sob o controle de mais de 27.000 presos amotinados, totalizando um saldo final de 19 presos mortos, além de enormes prejuízos materiais devidos à destruição causada em todos esses estabelecimentos prisionais.
Depois de deflagrada essa mega-rebelião, foi demonstrado o poder de força e de mobilização que possuía essa organização, a qual se constitui numa espécie de associação sindical de criminosos perigosos, e que se mantêm à custa de arrecadações de dinheiro junto aos demais presos, mediante sua extorsão ou de seus familiares, e também em decorrência do tráfico de drogas, por ela controlado, dentro dos presídios. Posteriormente chegou ao conhecimento das autoridades informações de que a referida organização já conta com mais de 12.000 membros, capazes de serem mobilizados a partir de uma simples ordem dada dentro da própria prisão, e que a facção tinha inclusive planejado o assassinato do Secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Nagashi Furukawa.
Episódios como a das rebeliões iniciadas pelo PCC e ainda os mais recentes como a revolução provocada pelo traficante “Fernandinho Beira-mar” em Bangu I, no Rio de Janeiro, demonstram que uma das grandes falhas do sistema penitenciário brasileiro é a de não conseguir debelar as ações do crime organizado nem mesmo quando seus integrantes estão recolhidos nos estabelecimentos prisionais, locais onde eles deveriam permanecer isolados da sociedade, cumprindo sua pena e sem quaisquer condições de prosseguirem em suas atividades criminosas.
No entanto, cabe ressaltar a agravante de que essas situações não se constituem em fatos isolados dentro do sistema penitenciário, mas sim numa realidade constante e corriqueira, o fato de o crime organizado não ter suas ações reprimidas mesmo com o encarceramento de seus integrantes.

5. BIBLIOGRAFIA

JESUS, Damásio E. de. Sistema penal brasileiro: execução das penas no Brasil. Revista Consulex. Ano I, n. 1, p. 24-28, Jan. 1997.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 1. ed. São Paulo. Edipro, 1999.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. 3. ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1993.
DOTTI, Rene Ariel. Bases alternativas para um sistema de penas. 2. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1998.
MIRABETE, Julio Fabrini. Execução Penal: Comentários à Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984. 9. ed. São Paulo. Atlas, 2000.
OLIVEIRA, Edmundo. O futuro alternativo das prisões. 1. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral 1. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1999.
OYAMA, Thaís. Os donos do Inferno. Revista Veja. n. 1629, p. 62-26, 05 de Novembro de 2000.

[1] OYAMA, Thaís. Os donos do Inferno. Revista Veja. n. 1629, p. 62-26, 05 de Novembro de 2000.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

UMA VISÃO DIFERENCIADA DO DIREITO À IGUALDADE


RAFAEL DAMACENO DE ASSIS
Acadêmico de Direito, ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Paraná e Vara de Execuções Penais da Comarca de Londrina.


SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Desigualdade e Pobreza 3. Responsabilidade do Estado 4. Urbanização e Criminalidade 5. O estigma da pobreza. 6. Considerações Finais.


1. Introdução.

Terá havido no mundo alguma sociedade realmente igualitária na qual os homens desfrutassem de maneira semelhante aos bens e oportunidades da vida social? Parecem que não. As evidências históricas mostram que a cultura humana esteve sempre intimamente ligada, desde seus primórdios, à idéia da distinção e da discriminação entre grupos sociais. Mesmo nas sociedades homogêneas e simples existiam diferenças de sexo, idade atribuindo aos grupos assim discriminados funções diferentes, certa parcela de poder, determinados direitos e deveres. A partir de então, nas sociedades que foram se tornando mais complexas, os membros não tinham igual acesso a certas vantagens como, por exemplo, poder de decisão e a liberdade. O patriarcado existente nas mais remotas civilizações, garantido aos homens o poder sobre a família e seus bens, demonstra que a igualdade é, antes que mais nada, uma utopia, um ideal ainda não vivido pela humanidade.
Por outro lado, o processo histórico tem revelado como uma tendência marcante à diferenciação e a crescente complexidade da sociedade.

2. Desigualdade e Pobreza.

Se é verdade que a sociedade desde a Antigüidade apresentam diferentes formas de discriminação e de desigualdade de bens, por que a pobreza se torna tão pouco aceitável na sociedade contemporânea? Por que a existência de parcelas a margem dos benefícios do desenvolvimento industrial e sem acesso a quantidade mínima de bens parece tão chocante hoje?
A razão por esta postura diante de populações excluídas ou carentes se deve inicialmente ao fato de que a sociedade moderna, nos últimos séculos, sedimentou-se a idéia de que fazemos parte de uma totalidade que é a humanidade. Ao contrário dos povos antigos, que tinham muito clara a noção de que a sociedade se diferenciava por grupos inconciliáveis, o mundo ocidental desenvolveu a consciência de constituir uma humanidade a qual pertencem todos os habitantes do planeta. Uma igualdade, sem dúvida nenhuma, originada no universalismo católico, desenvolvida pelos princípios democráticos de organização política e reforçada pela expansão mundial do sistema capitalista industrial.
Engendrada a idéia que a humanidade como conceito capaz de conter seus limites todas as pessoas existentes no planeta, as desigualdades sociais se tornaram cada vez mais perceptíveis. Defendido o princípio de que todos são iguais perante a lei, ficando assim cada vez mais difícil justificar as diferenças sociais.

3. A responsabilidade do Estado.

Desde que se constituiu na Idade Moderna, o Estado, foi adquirindo sempre mais poder e desenvolvendo um caráter acentualmente regulador da vida social. Sendo o responsável pela política econômica nacional, pelos programas sociais, pelas relações internas e externas, tornou-se o responsável pelas condições de vida dos seus cidadãos. Todos esses aspectos resultaram de uma ampliação significativa da suas atribuições e funções.
O Estado, enquanto instituição representativa da sociedade como um todo, passou a ser responsabilizado também pelo bem-estar social. Não sem certa razão, na medida em que é ele que regula os mecanismo de distribuição de renda, por meio de controle de salário mínimo, preços de produtos, impostos e financiamentos. Conseqüentemente, é ele também responsável pelo crescimento galopante da pobreza no mundo.
Essa responsabilidade do Estado para com a população carente de uma nação parece não tender a diminuir sequer na atualidade, quando se avaliam suas atribuições e se verifica uma nítida tendência ao “enxugamento” de suas funções nas diversas nações. Mesmo que não se almeja um Estado que não intervenha na economia, permitindo que o mercado seja auto-regulamentado, ninguém pretende eximi-lo de suas responsabilidades para com a saúde, a educação e as populações pobres.
Tanto mais quando se sabe que as relações internacionais de mercado têm sido responsáveis pelo que passou a se chamar “dumping social” existência de salários ínfimos nos países em desenvolvimento para que seus produtos possam competir com os países desenvolvidos e industrializados. Os interesses econômicos que essa política defende tem nefastas conseqüências para a vida social, como a perda de conquistas duramente conseguidas pelos trabalhadores. Espera-se assim que o Estado representando a sociedade com um todo, tanto ricos como pobres, tanto trabalhadores como empresários, assim amenizando esta desigualdade social.
Portanto, se a responsabilidade do Estado em relação à pobreza foi maior nas economias dirigidas e centralizadas, ainda hoje se exigem medidas para a crescente pobreza de parte da população. Quais são estas medidas e que políticas se acredita que o Estado poderia se desenvolver no sentido de minimizar desigualdades sociais.
Espera-se que o Estado promova a reforma agrária, diminuindo a concentração de terras e assegurando a permanência da população rural no campo. Concomitantemente, o Estado deve desenvolver uma política de créditos agrícolas capaz de auxiliar os pequenos proprietários rurais.
Propor também programas estatais de combate à pobreza, medidas de contenção da hiperurbanização, responsáveis pelas grandes misérias nas grandes cidades. A descentralização da industria e a flexibilidade nas atividades econômicas deve permitir uma melhor redistribuição de renda entre regiões, diminuindo o domínio de uma região sobre a outra.
Não há duvida que existem sistemas cujo desenvolvimento assegura uma melhor distribuição dos bens sociais, que prevêem formas mais adequadas de assistência à população.

4. Urbanização e Criminalidade

O desconcertante fenômeno do aumento da pobreza crônica tem sido explicado como efeito da atração dos centros urbanos sobre um setor agrário também empobrecido. As taxas indicam que cerca de 35% da população pobre dos centros urbano são compostas por migrantes.
Essa explicação é inquietante não por mostrar que o setor agrário tente a expandir trabalhadores, pois essa parece ser uma característica do processo de industrialização e de racionalização do trabalho com o uso de maquinas e de mão-de-obra assalariada sazonal.
A percepção da incompetência do sistema econômico e político se soma o desconforto de saber que, nos grandes centros milhares de pessoas não se encontram sob a vigilância das instituições sociais, vivem como podem, à deriva e a revelia dos planejamentos oficiais. Cria-se, em relação a essa população um sentimento de desconfiança e de insegurança. Há uma relação entre o crescimento dessa população e o aumento da criminalidade nos grandes centros urbanos, que se evidencia tanto a mídia como nos estudos científicos.
O perfil dos criminosos também ajuda a reforçar essa associação entre pobreza e criminalidade: os autores dos crimes oficialmente denunciados são geralmente analfabetos, trabalhadores braçais e predominantemente de cor negra.
Conclui que a pratica policial preconceituosa, somada a desproteção das classes subalternas, torna a relação entre pobreza e criminalidade uma profecia autocumprida. Forma-se um círculo vicioso em que o individuo, para ter trabalho precisa ter domicilio, registro, carteira profissional e uma situação civil legal. Impossibilitado de trabalhar por não cumprir tais exigências, ele passa a engrossar as fileiras de marginalizados que vivem sob constante vigilância policial.

5. O estigma da pobreza.

Sabemos que o estado mostra-se incompetente no combate à pobreza e que as medidas publicas tem sido mais de policiamento, vigilância e violência do que de resolução do problema. Iniciativas de caráter assistencial têm resultados paliativos, enquanto a impressa exibe em cores cada vez mais realistas a indigência da população pobre. E agora graças à globalização dos meios de comunicação, a pobreza dos países em desenvolvimento se transforma em manchete internacional.
Cada vez mais a pobreza é estigmatizada, quer pelo caráter de denuncia da falência da sociedade e do Estado em relação as suas funções junto à população, quer pelo contraste com a abundancia de produtos, quer pelo perigo iminente de convulsão social que para ela aponta. A violência e a agressividade aumentam, criando um clima de guerra civil nas grandes cidades. Generalizam-se medidas arbitrárias de violência e brutalidade as chacinas, os linchamentos e os assassinatos.
O distanciamento, social e ideológico, a alienação, a discriminação e a estigmatizarão que recaem sobre a pobreza não ajudam a encontrar soluções para o problema nem evitando que as desigualdades sociais aumentam, principalmente agora que falências das economias coletivas no mundo colocaram o liberalismo como tendência universal. Por mais eficiente que o sistema liberal seja para o desenvolvimento da sociedade tecnológica e do capital, não podemos esquecer que eles têm graves conseqüências para aqueles setores sociais que, não possuindo qualquer capital, tem desempenhado um papel indispensável na acumulação de bens e riqueza por parte dos grupos dominantes.

6. Considerações Finais
É diante disso tudo que a pobreza para um fenômeno constante e assustador, que exige medidas conscientes e responsáveis. Um esforço conjunto se faz necessário envolvendo políticas estatais, como os bancos dos povos, e a criação de organizações não-governamentais que desenvolvam projeto de assistência social, alfabetização e capacitação para o trabalho.
Afinal, se a economia tende a crescer e a se desenvolver, e se a jornada de trabalho e os números de empregados diminuem, devem restar no futuro pessoas e tempo que podem ser destinados a este fim. Não podemos esquecer, entretanto, que a opção de um sistema político que favoreça uma integração maior da população em geral à sociedade ainda é a forma mais eficiente de combater à pobreza.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

A VEEMÊNCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO NA ERA DAS FACÇÕES CRIMINOSAS


MÁRCIO ZUBA DE OLIVA
Advogado; Pós-Graduado em Direito e Processo Penal na UEL/PR.

RAFAEL DAMACENO DE ASSIS
Acadêmico do 4º ano do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana IESB, Londrina/PR.


SUMÁRIO. 1. Introdução 2. A ressocialização como finalidade da execução da pena privativa de liberdade 3. O risco social diante da atuação das Organizações Criminosas 4. Conclusões 5. Referências Bibliográficas.


1. Introdução

A expectativa que se faz em torno da pena de prisão bem como do encarceramento de determinados criminosos rotulados como “chefes do crime”, transmitem a sociedade uma falsa ilusão de segurança, punidade e de dever cumprido pela autoridade Estatal.
Diante disso vemos que a simples prisão ou até mesmo a condenação efetiva desses marginais não é suficiente para fazer cessar a máquina criminosa. Ao contrário, as prisões constituem fábricas indiretas de delinqüentes[1].
A legislação brasileira acerca do sistema prisional dispõe sobre a necessária individualização penal a fim de se vislumbrar um planejamento ressocializador eficaz além de obstar a dessocialização. No entanto, tal medida não é respeitada o que por conseqüência afronta os direitos e garantias fundamentais do preso.
A problemática da pena de prisão nunca deixou de ser um tema atual, entretanto, é preciso que se recorra à privação da liberdade apenas em casos extremos, ou seja, quando o direito penal for indispensável à estabilidade do corpo social. O congresso da ONU realizado em 1995, já apontava no seu contexto final medidas emergentes para o caos mundial, citando dentre as soluções a implantação de penas alternativas.
A busca incansável por métodos e programas que ajudem a facilitar a implantação de políticas públicas no sistema penitenciário, visando seu desafogamento e prosperando uma real reintegração social do apenado é o ideal primeiro a ser perseguido.
Neste esteio, não devemos renunciar à busca de uma solução razoável e que se aproxime o mais possível do ideal[2], pois a contrário sensu a sociedade será dominada pelo terror.

2. A Ressocialização como finalidade da execução da pena privativa de liberdade.

Falar de luta contra o crime significa, hoje, assinalar uma finalidade ao direito penal, qual seja, à pena[3]. Apesar de inserida na Lei de Execução Penal à perspectiva de recuperação do condenado e sua readequação ao convívio social, presenciamos que os fins propostos pela sanção penal não passa de uma falácia, e o Estado além de não ter controle da comunidade carcerária existente, interveêm de maneira falha e tardia. Logo, como reflexo imediato, existe uma execução penal “primitiva” que necessita de constantes reparos, a fim de evitar a dessocialização do criminoso.
Dessa forma, em não havendo o estabelecimento de políticas sérias de melhoramento social, a vala comum da prisão irá se aumentar cada vez mais, pois o cerne da delinqüência está mais na ausência de oportunidades do que na própria maldade do ser humano.
A crise da pena privativa de liberdade é bem retratada por Cezar Roberto Bitencourt que aponta alguns efeitos negativos dela: problema do autoconceito do recluso; problema sexual na penitenciária; violência carcerária; elevados índices de reincidência; anulação da personalidade do recluso etc.[4]
Tais abusos consistem também, na não separação dos presos pela idade, pela natureza da infração, condição processual dentre outros infinitos métodos previstos legalmente.
Haja vista, os inúmeros problemas relacionados com a Execução Penal no Brasil, vislumbra-se que o melhor caminho a ser seguido não é o da reclusão e sim o da aplicação de penas alternativas, tais como, prestação de serviços à comunidade, doação de alimentos aos necessitados, enfim, penas que não retiram o condenado do meio social além de impor-lhe uma responsabilidade habitual. A execução da pena é o primeiro e o último momento em que se torna possível a ressocialização.
Só assim, a superlotação dos presídios que hoje é tormento para a sociedade irá diminuir e a ressocialização do apenado com pena privativa de liberdade será efetivada.

3. O risco social diante da atuação das Organizações Criminosas

As Organizações Criminosas surgiram a partir da explosão populacional nas cadeias e das condições de vida precária que nelas vigorava. Organizar-se era uma forma de se proteger, evitando assassinatos e estupros por outros presos. Era também uma maneira de tentar dialogar com as autoridades e reivindicar melhores condições de vida na prisão.
Neste escopo de combater as injustiças, desigualdades e ofensas aos direitos individuais geradas dentro do sistema prisional as atividades das Organizações Criminosas foram se intensificando. Com o passar do tempo o número de adeptos crescia e seus seguidores se profissionalizavam no mundo do crime. Tal situação se revela preocupante, o perfil desse novo criminoso é diferente, pois ele não assalta, não consome ou vende drogas, foi treinado por muito tempo para obedecer à ordem e possui uma qualidade diferenciada da cidadania comum: o civismo patriótico[5].
Dentre inúmeros fatores que assolam o chamado Crime Organizado a influência que este exerce no tratamento ressocializador de muitos condenados é altamente aviltante para o Estado. A fragilidade e impotência demonstrada pelo Estado é bem retratada por Edmundo Oliveira.
“A prisão se apresenta como um espetáculo deprimente, atingindo além da pessoa do delinqüente; orfana filhos de pai vivo; enviúva a esposa de marido combalido; prejudica o credor do preso tornado insolvente; desadapta o encarcerado à sociedade; suscita graves conflitos sexuais; onera o Estado; amontoa seres humanos em jaulas sujas, úmidas, onde vegetam em olímpica promiscuidade”[6].

Emerge uma política criminal de emergência, onde o Estado deve buscar o equilíbrio entre a defesa da sociedade e a salvaguarda do mínimo vital dos condenados, pois, caso contrário estamos condizentes a atuação criminosas dessas organizações.
Basta entender que o Direito Penal é o instrumento mais opressivo e deve ter a resposta mais áspera de que os demais ramos de controle social, entendendo ainda que o sistema falhou e que o Direito Penal não é campo para elucubrações e teorizações que não se amoldam ao atual plano social do país.

4. Conclusões

A falência do sistema penitenciário é uma realidade, sendo apenas combatível por posturas que se importem mais com o recluso. A ressocialização do preso consiste na humanização da própria execução penal, que não só permitirá ao condenado retornar a condição de cidadania ativa, mas também interessa a própria segurança pública[7].
Ao fim, devemos ressaltar que inúmeros são os problemas na fase executória, então a aplicação de medidas alternativas que ajudem a amenizar tal situação é indispensável à segurança da sociedade e dos próprios presídios.
É certo também que no postulado básico de justiça esta contida a ótica do razoável e do bom senso, logo, o combate as Organizações Criminosas é um dever Estatal e uma conquista social.

5. Referências Bibliográficas.

Bitencourt, Cezar Roberto. A Falência da Pena de Prisão: Causas e alternativas. 3ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2004.

Gomes, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas a prisão. 1.ed.,2.tir. São Paulo: RT, 1999. p.30. Apud FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, trad, Ligia Vassallo, 2 ed., Petrópolis: Vozes, 1983.

Oliveira, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. Rio de Janeiro: Forense, 2001.


Rodrigues, Anabela Miranda. Novo olhar sobre a questão penitenciaria. São Paulo: RT, 2001.

SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
SILVA, Carlos Alberto Fanchioni. O liminar do século XXI no sistema penitenciário: justa opção entre o combate a criminalidade das organizações criminosas ou ensaio na aplicação dos direitos aos encarcerados. Disponível na Internet: http://www.ibccrim.org.br/, 12.08.2002
[1] Gomes, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas a prisão. 1.ed.,2.tir. São Paulo: RT, 1999. p.30. Apud FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, trad, Ligia Vassallo, 2 ed., Petrópolis: Vozes, 1983. p.234 e ss.
[2] Oliveira, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. Rio de Janeiro: Forense, 2001.p. 10.
[3] Rodrigues, Anabela Miranda. Novo olhar sobre a questão penitenciaria. São Paulo: RT, 2001. p.30.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. A Falência da Pena de Prisão: Causas e alternativas. 3ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2004. p. 153/209.
[5] SILVA, Carlos Alberto Fanchioni. O liminar do século XXI no sistema penitenciário: justa opção entre o combate a criminalidade das organizações criminosas ou ensaio na aplicação dos direitos aos encarcerados. Disponível na Internet: http://www.ibccrim.org.br/, 12.08.2002.
[6] OLIVEIRA, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. Rio de Janeiro: Forense, 2001.p. 7.
[7] SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p.29.

A VIOLÊNCIA E A SEGURANÇA PÚBLICA


RAFAEL DAMACENO DE ASSIS
Acadêmico de Direito, ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e Vara de Execuções Penais da Comarca de Londrina.
ISABELLA ZUBA DE OLIVA
Acadêmica de Direito e Estagiária da Justiça Federal da 4ª Região.

SUMÁRIO: 1. Violência x Segurança 2. Individualismo e Agressividade 3. Definitivamente uma sociedade violenta.


1. Violência x Segurança.

Não é apenas nas relações internacionais que se manifesta a tendência violenta, agressiva e bélica da civilização contemporânea, embora seja nessas que a violência atinge maior expressividade e magnitude. Nos armamentos militares se concentra o grande potencial de destruição da humanidade. Cada Estado, por seu lado desenvolve formas cada vez mais arbitrarias e violentas de resguardar a paz interna em seus territórios. Notadamente nos países “em desenvolvimento”, sempre mais vulneráveis e instáveis politicamente, a violência se transforma em recurso cotidianamente utilizado.
Em nome da autodefesa e dos interesses do cidadão comum, os mecanismo de controle tornam-se cada vez mais potentes e ostensivos. Multiplicam-se os efeitos militares e da policia-civil, tentando detectar núcleos de ação revolucionaria e criminal, conter atitudes consideradas suspeitas e desencadear formas de repressão agressiva. E, como as atitudes consideradas suspeitas ou ameaçadoras para o cidadão comum são variadas e ambíguas, desencadeia-se uma postura agressiva contra a população em geral. Essas posturas associam ameaça, criminalidade e comportamento desviante com toda sorte de preconceito racial, ético, religioso, xenofóbicos, sexual e de geração e, essencialmente, as sócia-se cada vez mais a criminalidade com a pobreza.
E, uma vez que o Estado passa por um período de redimensionamento de suas funções sociais, em que, em nome da redução do déficit publico (como exigem os acordos internacionais), vem cortando recursos destinados a setores essenciais, como educação e segurança, multiplica-se as empresa de segurança privada. Casa, empresas bancos, condomínios são vigiados por segurança particular recrutados indiscriminadamente entre a população em geral e de baixa renda. Sem treino especial, sem qualquer tipo de consciência critica a respeito da função que desempenha, crescem dia a dia os grupos de jagunços do capitalismo agrário, adotarem uma atitude agressiva e serem responsáveis por violências arbitrarias contra a população. Praticas cotidianas de vistoria, solicitação de identidade e fiscalização são levadas a cabo por essas milícias para oficiais no acesso a empresa e condomínios. É a privatização da violência e da arbitrariedade contra o cidadão comum.
Por outro lado, o crescimento de praticas econômicas clandestinas, como imensa infra-estrutura que torna possível o trafico internacional de drogas e contrabando de produtos estrangeiros, levou a formação de um aparato militar clandestino que atua impunemente contra a sociedade. Gangues controlam regiões inteiras de comercio de drogas e uma infindável rede de traficantes e usuários, promovendo roubos, assaltos e assassinatos.
A perda de eficiência e a diminuição das funções sociais das instituições governamentais, o anonimato das cidades e a impunidade legal fazem aumentar essas diversas formas de violência que criam um estado de guerra civil, nos qual é impossível identificar com precisão as hostes inimigas, tal a proliferação de facções e milícias. O que se pode perceber com nitidez é que, para alem da violência entre nações, cresce a violência no interior de cada país, em especial nos países pobres, em que a instabilidade, a descrença nos poderes públicos e a sensação de abandono e insegurança são mais acentuadas.
Recentemente pesquisas realizadas na cidade de São Paulo revelaram que a população das favelas teme mais a policia do que as quadrilhas de narcotráfico. Essas posturas refletem o despreparo dos meios oficiais de segurança, a corrupção dos policiais e uma sistemática historia de violência contra a população.
Demonstrativos também desse estado de guerra civil e de desconfiança por parte da sociedade, cada vez mais cercada, são as chacinas que se sucedem entre os miseráveis das grandes cidades, promovidas ora pela policia civil, ora por gangues ligadas ao narcotráfico. Os números são assustadores. Vinganças, tiroteios, disputas, roubos e assassinatos tornam os dias das periferias das metrópoles contemporâneas cada vez mais sangrentas.

2. Individualismo e Agressividade

Além dessas formas de violências já mencionadas e que são praticadas oficial e oficiosamente por algum tipo de organização (e com objetivo mais ou menos definidos), assistimos de formas generalizadas a um recrudescimento de relações agressivas entre as pessoas em geral. E, nas medidas em que a esfera da vida privada tende a ser invadidas pelos meios de comunicação de massa, as agressões interpessoais se tornam conhecidas e são divulgadas em chamadas manchetes de jornal.
A violência passa a ser cada vez mais um recurso, e quase nunca o ultimo. Esse comportamento é incentivo pelo individualismo da sociedade contemporânea, que analisa cada questão como resultante de necessidade e anseios absolutamente pessoais e únicos. Antigas formas de solidariedade perdem sua força, enquanto as mais antigas instituições sofrem duros golpes em sua credibilidade e legitimidade. Tudo favorece o comportamento individualista que se manifesta, por sua vez, não só na produção, mas também no desenvolvimento de estratégicas de autodefesa ou de procurar “fazer justiças pelas próprias mãos”.
Outra bandeira que vem induzir a ação violenta é o constante apelo ideológico ao desenvolvimento da personalidade competitiva e ambiciosa, como elemento necessário à realização individual. Concorrência desenfreada, rivalidade e a idéia da legitimidade das leis de mercado permeiam as campanhas publicitárias e as avaliações econômicas, táticas de defesa pessoal e jogos de guerra são simulados em treinamento nas grandes empresas, estimulando os funcionários a desenvolver espírito competitivo, ambições e agressividade.
Não e preciso mencionar de que maneira a cultura de massa, por seu lado, estimula posturas agressivas ao criar os mitos da comunicação (os super-homens, as superquadrilhas e os superassassinatos).

3. Definitivamente uma sociedade violenta.

Hoje lembramos com nostalgia dos anos 60, quando aquilo que opunha os cidadãos de uma cidade ou de um país eram questões ideológicas e políticas, diferentes ideais que se divisavam o horizonte da vida social.
Assistimos agora a um panorama de mudanças institucionais avassaladoras, em que instituições consideradas inabalável parecem atravessar irreversível debilidade. Emerge uma sociedade complexa e diferenciada, na qual diversos grupos minoritários (éticos, políticos, regionais) buscam seu espaço social. Percebemos também a agonia da cultura clássica européia, cujas primeiras evidencias se manifestam nos anos 50 na crise do pós-guerra. Valores como trabalho, que guiavam a vida dos homens em sociedade e constituíam sua identidade, são rapidamente substituídos por seus opostos.
Nesse clima de começo de milênio, a violência se desenvolve e se generaliza. Escandaliza, choca, torna-se cada vez mais banalizada, mas parece também, como outros aspectos da vida social, fugir ao controle dos homens e das instituições. E, assim como a pobreza, a violência indiscriminada, a impunidade dos criminosos e a diversidade dos grupos em conflitos, põem em xeque a mais otimista analise sobre a sociedade contemporânea. Colaboram também para intensificar os paradoxos da sociedade atual, fazendo com que tendências aparentemente opostas se contraponham de forma crescente: a pobreza e a abundancia, o individualismo e a massificação, a democracia e o autoritarismo.

A RESSOCIALIZAÇÃO E AS PENAS ALTERNATIVAS JUNTO AO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO.


RAFAEL DAMACENO DE ASSIS
Acadêmico de direito, estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e da Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios da Comarca de Londrina/Pr,

Atualmente a população vive em uma sociedade de risco, amedrontada, pela violência e guerras, criadas pelas crises que passam por uma serie de problemas como a falta de emprego, saúde, moradia, a decadência da educação, o surgimento da corrupção e do crime organizado. Todos estes problemas geram na sociedade um medo e uma insegurança. Desesperada em se livrar dos problemas, a população busca encontrar medidas mais severas, encontrando nas sanções penais a solução imediata.
Em virtude disso a sociedade percebeu a necessidade de um direito penal capaz de combater e exterminar a criminalidade e que pensasse no sistema da execução penal.
Com todas as mudanças trazidas pelos legisladores é de se observar à passagem de um direito penal de intervenção mínima para um direito de excesso de intervenção e de total prevenção. No primeiro momento visualizamos que o direito penal só devera tutelar os interesses mais relevantes, deixando para os outros direitos legais a tutela dos demais valores da convivência humana, só agindo quando não forem capaz de conceder a tutela. Já em um segundo momento, vê a doutrina humanista e da intervenção mínima, surgindo o sistema de forte intervenção e prevenção, descrevendo normas incriminadoras relacionadas a vários setores da atividade social e humana.
Agora se percebe de modo geral, a crise do sistema carcerário e penitenciário, em meio à amadora execução da pena privativa de liberdade, que se apresenta falida, soberba e totalmente ineficaz como sanção principal de aplicação com fim de ressocialização. A sociedade em reposta ao legislador, tomado pela necessidade de exterminar a criminalidade e se livrar da violência cada vez mais forte, empurram para as prisões um número alto de elementos, desconsiderando a qualidade e a eficácia desse sistema na reeducação do mesmo, relevando-se apenas na solução do cárcere para inibir a sociedade da presença do criminoso.
Essa tendência prisional justificada pela necessidade de combater a criminalidade, sendo que as prisões devem ser reduzidas ao mínimo possível.
A intervenção penal somente deve ocorrer em face de extrema e rigorosa necessidade, e a pena de prisão deve ser reservada para criminosos perigosos que cometerem crimes graves e gravíssimos, já nos outros casos deverá se usar de penas alternativas. Portando esta nova proposta vem baseada no direito penal em exercer a intervenção mínima, em face do direito tradicional penal que baseia na intimidade por meio de pesadas e severas penas existindo-se assim outros meios legais para a execução sem ser as penitenciarias.
O cárcere se criou um abismo entre os detentos e o mundo de fora, o embrutecimento, a revolta com o tratamento injusto e desumano, se tornando uma escola para novos crimes.
O que é de verificar são os fatos reais em geral, sendo que o modo alternativo tem sido uma excelente e eficaz proposta para a aplicação e execução das penas, mostrando junto à sociedade uma sensível melhora quando a reeducação do criminoso. Ao contrario da prisão que é um dos motivos contundentes para a volta da marginalidade. A execução da pena é o primeiro e o ultimo momento em que se torna possível a ressocialização, sendo necessário buscar meios alternativos para tal feito. Com isso visando à tutela e o bem jurídico objetivado.
E não esquecendo que a utilização destas medidas alternativas traz uma importante vantagem para a sociedade no quesito da economia, pois ela diminui os levados custos que o Estado tem com a manutenção da prisão, alem de outras já mencionadas.
Uma outra alternativa para se pensar na ressocialização, é criar um ambiente propicio para tal objetivo, tanto na execução das penas alternativas, como nas privativas de direito, faz-se necessário assegurar o principio da dignidade humana, especialmente no período da execução onde o individuo já esta com sua dignidade moral abaixo no normal pelo fato da condenação criminal.
A Lei de Execução Penal brasileira em um dos seus artigos menciona que devera se respeitar à integridade moral dos detentos, esclarecendo que a pena tem por objetivo proporcionar condições para a harmonia e integração novamente a sociedade.
Injustiças ocorrem, no caso do princípio da presunção da inocência, que é constantemente desconsiderado com tantas prisões, pois se colocam em uma mesma cela indivíduos já julgados e condenados com os que ainda não foram e que ainda poderão ser considerados inocentes aos olhos da justiça. Isso sem falar nos casos de prisões ilegais e irregulares.
A prisão deixa no preso uma marca perpetua que persegue aonde quer que se encontre, sempre possuirá consigo o medo e o fantasma do sistema carcerário.
Os motivos pelos quais a prisão se mantém ainda em funcionamento, são porque a maior parte dos condenados são pobres, sem instrução e incapazes de se manifestar contras as injustiças.
O erro ocorre, que muitos ainda evocam no direito da vitima que foram atingidas por tais fatos criminosos, fazendo uma confusão de conceitos que não leva a lugar nenhum, as vitimas já foram indenizadas e justificadas no momento em que a sociedade condena por meio judicial e impõe uma sanção a este individuo que praticou o mal. Mas não podemos esquecer e recusar a dignidade a estas pessoas é incorrer numa conduta tão errada quanto da conduta do ato delitivo.
Leis não faltam para os direitos humanos dos detentos sejam respeitados, o que ainda falta é fazer a sociedade se perceba nisso, vez que ainda existe pessoas que pensam que preso não é gente e deve ser tratado como um animal, sem direitos, tais que a mesma lei de proteção aos animais não permite estes tipos de abuso.
Por fim, o fato é que as agressões aos direitos humanos ocorrem todos os dias nas prisões, mas do que nunca a sociedade precisa se empenhar para buscar solução para tão delicada questão. As penas alternativas e o respeito aos direitos humanos dos presos são apenas um dos caminhos que devem ser tomados de luta e persistência contra a estrutura prisional vigente em nosso país.


Referencias:


LLOYD, Denis. A Idéia de Lei. 2ª Ed. Martins Fontes. São Paulo. Trad. Álvaro Cabral. 1998.

CAMARGO, Antônio Luís Chaves de. Imputação Objetiva e Direito Penal Brasileiro. 1ª Ed. Livraria Cultural. São Paulo. 2001.

MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. p. 335.

DA SILVA, Paulo Roberto. Penitenciarismo x Reabilitação penitenciária: uma realidade social. São Paulo: Faculdade de Direito, 2000. p. 20. Tese (mestrado em Serviço Social) - Faculdade de Serviço Social, Universidade de São Paulo, 2000.

LUISI, Luiz. Princípios Constitucionais Penais. Porto Alegre: SAFE, 1991. p. 27.

JESUS, Damásio E. de. Diagnóstico de legislação criminal brasileira: crítica e sugestão. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Revistas dos Tribunais. São Paulo. ano 3, n. 12, p. 111, out./dez. 1995.

A CRIMINOLOGIA ENFOCADA NOS BENS JURÍDICOS CONSTITUCIONAIS.



RAFAEL DAMACENO DE ASSIS
Acadêmico de Direito, ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios da Comarca de Londrina-Pr.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Criminalização e os Bens Jurídicos Constitucionais. 3. Os limites Constitucionais de Criminalização. 4. A intervenção Mínima visando a Criminalização. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.


1. Introdução.
A necessidade de conter os excessos criminalizadores dá origem ao entendimento de que o Direito Penal tem por objeto não a tutela do direito subjetivos, mas a de bens jurídicos. A tutela penal deveria ter somente por objeto o bem jurídico e tão somente o bem jurídico materiais, a eles se limitando.
Hans Welzel enfoca que: “na realidade só há bens jurídicos a medida que eles atuam na vida social, e sua ação está receptivamente na mesma. Vida, saúde, propriedade etc. são relevantes para o Direito Penal, mas enquanto consistem em um “ ser em função”, ou seja, enquanto exercem efeitos sobre a coesão social, e dela recebem efeitos.”[1]
Entanto o bem jurídico consiste no uso e desfrute de uma situação valorada positivamente. O Direito é um dos subsistemas, cuja tarefa fundamental é garantir a existência do sistema como um todo. E o Direito Penal é o instrumento mais importante no subsistema jurídico, pois através da pena assegura a conservação do sistema contra fatos de alta nocividade social.
Esses fatores, no entanto, apresentam-se diversamente, com nuanças próprias em cada contexto social e histórico. Para a individualização do bem jurídico na é fundamental a posição objetiva do bem, mas a sua valoração subjetiva com as variantes dos contextos sociais nos quais ele aparece.[2]

2. Criminalização e os Bens Jurídicos Constitucionais.
Os bem jurídicos preexistem à própria natureza e ordem jurídicas como os que acentuam a sua natureza funcional ou sistemática, primam pela carência de concretude, posto que não define conteúdos, ou seja, não dizem quais as unidades de função ou quais das difusões afetam a conservação do sistema, e o quanto de nocividade social das mesmas.
Para superar este ditame e buscar o embasamento que permita uma determinação dos bens jurídicos merecedores da tutela penal, limitando inclusive essa ação tutelar, surgiu nestes últimos decênios o que pode definir como um processo de constitucionalização dos bens jurídicos penais. É na constituição que o Direito Penal deve encontrar o bem que lhe cabe proteger com suas sanções. Devendo assim os penalistas orientar-se, uma vez que nas constituições já estão feitas as valorizações criadoras dos bens, cabendo os penalistas, em função da relevância social desses bens, tê-los obrigatoriamente presentes, inclusive a eles se limitando, no processo de formação da tipologia criminal.
Essa constitucionalização do bem jurídico tem-se apresentado com diversas nuanças, que se podem agrupar e duas correntes.[3] Uma de caráter geral, vinculando a criação do tipo penal aos princípios fundamentais presentes e outras, ditas teorias constitucionais estritas, entendem que o legislador penal encontra nas constituições prescrições especificas e explicitas nas quais estão presentes os bens jurídicos a serem recebidos na ordem jurídicos penal.

3. Os limites Constitucionais de Criminalização.
A limitação da busca dos bens jurídicos passiveis de criminalização no âmbito dos bens constitucionais tem-se argüido que podem aparecer, após a edição dos textos constitucionais, novos bens que, pela sua relevância, estão a exigir a proteção penal.
As constitucionais, portanto, não apenas são repositório principal dos bens passiveis de criminalização, mas também contem princípios relevatissimos que modelam a vida da comunidade e que, constituem clausulas pétreas embasadoras de sistema constitucional. A presença destas clausulas e dos direitos que elas consagram e delas derivam marcam limites que o legislador ordinário, principalmente em matéria penal, não podem transpor.
A criminalização há de fazer tendo por fonte principal os bens constitucionais, ou seja, aqueles que, passado pela filtragem valorativa do legislador constitucional, são postos como base e estrutura jurídica da comunidade.
Por bem é nas constituições que a criminalização há de encontrar preponderantemente os bens que lhe cabe tutelar. Mas ainda quando proteger com suas sanções bens não-constitucionais, não o pode fazer em conflito com os princípios constitucionais, neles encontrando definitiva barreira. As constituições, portanto, são para as criminalizações sua base e seu limite.[4]

4. A intervenção Mínima visando a Criminalização.
As medidas não privativas de liberdade devem ser utilizadas de acordo com o princípio da Intervenção Mínima. Essa intervenção mínima deve dar-se pelos processos de despenalização e descriminalização em vez de interferir ou retardar as iniciativas nesse sentido. Tanto quando possível, deve se evitar recorrer aos processos formais e julgamentos perante tribunais, de acordo com as garantias legais e normas jurídicas.[5] Existe uma linha moderada,que reivindica um Direito Penal Mínimo, isto é uma mínima intervenção, com as máximas garantias.
Em torno da idéia de um Direito Penal mínimo, por sinal esta se construindo um enorme consenso, mesmo porque seus postulados e princípios não são fechados. Isso permite uma intensa e constante reformulação, sendo assim de modo algum podemos dizer que a reivindicação de não intervenção do Direito Penal seja algo recente.
Embora agregando ao Direito Penal mínimo a nota de transitoriedade ela somente seria valido enquanto meio para se chegar a meta mais longínqua de sua abolição total, Zaffaroni em seu pensamento convalida o postulado mínimo desde que seja enfocado como passagem para o abolicionismo total e na medida em que a intervenção do atual sistema penal resulte menos violenta que as outras formas de decisão de conflito.[6]
Com as medidas despenalizadoras, o Direito Penal brasileiro começou a adotar, e contraposição ao modelo clássico, as tendências mundiais, sendo certo que a recentíssima lei das penas substitutivas enquadra-se na nesta mesma linha de orientação e uma política criminal alternativa.

5. Conclusão.
E extraordinário é que se busque a realizar essas renovações com o embasamento nas constituições. E isso porque um Direito Penal respaldado nos textos constitucionais será certamente um Direito Penal imune a uma regressão. O buscar nas constituições os bens jurídicos a tutela e a sujeição da criminalização aos limites impostos pelas constituições tem um sentido bem profundo. Constituem uma garantia de que é possível, e far-se-á um Direito penal respeitoso da dignidade da pessoa humana.
Urge por fim que o poder judiciário leve ate as ultimas conseqüências a eficiência limitadoras dos princípios intradogmaticos no âmbito penal,partindo do elementar pressuposto de que uma das missões básicas do Direito Penal é a de tutelar bens jurídicos, mas de forma subsidiaria e fragmentaria e também assegurar as garantias dos princípios constitucionais.

6. Referências Bibliográficas.

WELZEL, Hanz. In: ZSTW 58, (1939),p. 409 e ss.
HASSERMER, Winfried. Fundamentos Del Derecho Penal. Barcelona. 1984.
PRADO, Luiz Régis. Bem Jurídico e Constituição
LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. Ed. Sergio Antonio Fabris, 2º Edição. Porto Alegre.2003.
GOMES, Luiz Flavio. Penas e Medidas Alternativas a Prisão.Ed. Revistas dos Tribunais. São Paulo.1999.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em Busca de lãs penas perdidas, p.191 e ss.




[1] Welzel, Hanz. In: ZSTW 58, (1939),p. 409 e ss.
[2] Hassermer, Winfried. Fundamentos Del Derecho Penal. Barcelona. 1984.
[3] Prado, Luiz Régis. Bem Jurídico e Constituição.
[4] Luisi, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. Ed. Sergio Antonio Fabris, 2º Edição. Porto Alegre.2003.
[5] Gomes, Luiz Flavio. Penas e Medidas Alternativas a Prisão.Ed. Revistas dos Tribunais. São Paulo.1999.
[6] Zaffaroni, Eugenio Raul. Em Busca de lãs penas perdidas, p.191 e ss.

A ANTIGUIDADE DA LEI PENAL E DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO


RAFAEL DAMACENO DE ASSIS
Acadêmico de direito, estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e da Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios da Comarca de Londrina/Pr,



O objetivo do direito penal brasileiro consiste em proteger os bens jurídicos fundamentais a cada indivíduo e a sociedade. Cabe a ele, através de um conjunto de regras, definir e punir as condutas ofensivas à vida, a liberdade à segurança e outros bens guardados pela Constituição Federal de 1988.
O direito penal também protege determinadas formas de comportamento que embora ilegais, não são puníveis pelo sistema positivo, como as isenções de pena e a exclusão da ilicitude, cabendo a ele conseqüentemente a função de garantir a efetividade dos princípios vinculados.
Constata-se que o fim do direito penal é a defesa da sociedade, pela proteção de bens jurídicos fundamentais como a vida, a dignidade da pessoa humana, a segurança da família e a paz social.
Com isso a justiça penal vem sofrendo quedas com as inflações legislativas, responsáveis por um tipo de direito penal do terror que muito diverge do modelo seguido pelo direito penal mínimo, refletindo e como forma de resposta do sensacionalismo da mídia inverte o principio da presunção da inocência, alimentando aumento da suspeita.
A crise do sistema penal é a falta da atualização dos Códigos Penais e Processuais Penais, que enquanto o Código de Civil e de Processo Civil sofreram mudanças estruturais relativamente recentes que o deixaram aptos para vigorar na realidade atual.
Certamente com esta antiguidade penal, os Códigos não conseguem tutelas as condutas na atualidade se os mesmos foram elaborados em meio a uma realidade menos complexa como as de hoje, com valores e consciência diferentes.
Existem ainda leis pertinentes, adequadas, eficazes, no entanto, há outras que são totalmente atrasadas, fundadas em ideologias velhas e fora de uso. Por isso que a lei penal na maioria das vezes são poucos eficientes.
Para que o Código penal siga a realidade, e sim ser capaz de atingir o fim a ele vinculado, é necessário se fazer e promover profundas modificações. Da mesma forma com o Código Processual Penal.
O encarceramento do individuo como método de prevenção ao crime na maioria das vezes são fracassadas, provando que a prisão de liberdade não melhora o homem, nem corrige a falta cometida e de maneira alguma a culpa para uma possível volta à sociedade.
A pena privativa de liberdade, em síntese, pretende representar mais do que um meio de afastar aquele que cometeu o crime do convívio social e mantê-lo a margem da sociedade. O isolamento social é um fator irreversível para o homem, que é animal, por sua natureza. Se sofrer isolamento por um longo tempo, poderá ocorrer, diminuição mental ou ate mesmo chegar à loucura.
Constata-se que apesar de ter a pena privativa de liberdade o objetivo de ressocialização do criminoso, ela acaba por atingir exatamente o inverso.
Para que se opere a efetividade da redução da criminalidade e da população carcerária é necessário que ocorra uma implantação de um movimento global, que inclua medidas sociais, ecomonicas e legais. No que concerne ao direito penal, processual e da execução, evitando desastres.
Muitos institutos, idéias e inovações penais estão sendo posto em pratica, entre eles: a discriminação das contravenções; a possibilidade do Ministério Público desistir da ação penal nos casos de inviabilidade da pretensão punitiva; maior utilização das penas alternativas, com penas de multas e restrição de direitos; a ampliação da possibilidade de aplicação do sursis e do livramento condicional; a extinção da conversão da multa em pena de detenção e outras que são algumas das reais soluções.
Por fim o sistema penitenciário e o direito penal brasileiro vivem neste inicio de século XXI, uma verdadeira falência geral. A realidade penitenciaria é amadora e arcaica, os estabelecimentos prisionais representam para a vida um verdadeiro inferno astral, onde o preso de amontoa uns aos outros em celas sujas, úmidas e superlotadas de tal maneira que os presos dormem sentados e rezam em pé. Assim ficando uma pergunta no ar, onde estão os direitos da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais? Não são usados e esquecidos no tempo, tornando-se impossível a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e sim alcançando a erradicação da pobreza, marginalidade e o aumento as desigualdades sociais e regionais.



Referencias:


LLOYD, Denis. A Idéia de Lei. 2ª Ed. Martins Fontes. São Paulo. Trad. Álvaro Cabral. 1998.

CAMARGO, Antônio Luís Chaves de. Imputação Objetiva e Direito Penal Brasileiro. 1ª Ed. Livraria Cultural. São Paulo. 2001.

MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. p. 335.

DA SILVA, Paulo Roberto. Penitenciarismo x Reabilitação penitenciária: uma realidade social. São Paulo: Faculdade de Direito, 2000. p. 20. Tese (mestrado em Serviço Social) - Faculdade de Serviço Social, Universidade de São Paulo, 2000.

LUISI, Luiz. Princípios Constitucionais Penais. Porto Alegre: SAFE, 1991. p. 27.

JESUS, Damásio E. de. Diagnóstico de legislação criminal brasileira: crítica e sugestão. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Revistas dos Tribunais. São Paulo. ano 3, n. 12, p. 111, out./dez. 1995.